Governo Bolsonaro é denunciado por envio de dinheiro público para ONGs de fachada
Um dos principais alvos dos discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), as ONGs aparecem como ponto central da mais recente denúncia de corrupção no governo federal. Conforme mostra reportagem da revista Crusoé, o governo enviou mais de R$ 17 milhões para nove entidades de fachada.
Segundo a denúncia, as instituições só existem no papel ou funcionam com estruturas precárias e incompatíveis com sua atividade fim, e têm relação com aliados de Bolsonaro e servidores do governo.
Uma das ONGs de fachada que receberam dinheiro público “funciona” em uma loja de artigos de maconha. Além disso, também há casos de instituições irregulares que receberam milhões em recursos do Ministério da Saúde durante a pandemia de Covid-19.
Como funciona o esquema de corrupção
As ONGs de fachada recebem dinheiro público a partir de emendas de parlamentares aliados ao governo Bolsonaro. Como elas são apadrinhadas por políticos próximos a Bolsonaro, os recursos são empenhados sem fiscalização.
Sem um controle mais rígido, entidades que têm apenas um CNPJ e um endereço apresentam prestações de contas fraudulentas e recebem milhões de reais dos cofres públicos mesmo sem prestar nenhum tipo de serviço.
Um dos casos apurados pela reportagem é o da Associação Beneficente Ensine Mão Amiga, que recebeu R$ 200 mil por indicação de emenda do deputado bolsonarista Vitor Hugo (PSL-GO) da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, ligada ao Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos.
A ONG é presidida por Helieth Dolores Pereira Duarte, que até o início do mês era assessora especial da ministra Damares Alves e coordenadora-geral de Gestão da própria Secretaria. Mas no endereço informado pela suposta ONG não há sinal de funcionamento, e a pessoa que atendeu a equipe de reportagem no telefone registrado em nome da Mão Amiga afirmou que não conhece a entidade.
Ao visitar os endereços informados pelas ONGs de fachada, a Crusoé chegou a descobrir até mesmo instituições registradas em residências de funcionários do governo.
Vale lembrar que mesmo antes do anúncio de sua candidatura em 2018, o presidente Bolsonaro já atacava as ONGs. Em 2017, ele chegou a afirmar que não daria nem um centavo para estas entidades, e no ano passado chamou de “câncer” ONGs que atuam na Amazônia.
Veja também: Para 70% dos brasileiros há corrupção no governo Bolsonaro, segundo Datafolha
Perfil das ONGs de fachada que recebem dinheiro do governo Bolsonaro
As instituições envolvidas na denúncia atuam – ou deveriam atuar – em áreas variadas, e receberam recursos de diferentes ministérios.
O “Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Cidade”, por exemplo, é uma ONG que diz realizar atividades voltadas à cultura negra. Por conta disso, a instituição recebeu R$ 1,2 milhão do Ministério do Turismo, mesmo com sede registrada em uma loja de tabaco e “artigos de maconha”, conforme disse um dos funcionários do local à equipe de reportagem.
Os recursos públicos para ONGs que só existem no papel saem até mesmo de fundos do Ministério da Saúde. Em dezembro do ano passado, por exemplo, durante a pandemia, o Fundo Nacional de Saúde liberou R$ 3 milhões para a ONG Grupo de Resgate Ambiental, que está registrada na casa do vice-presidente da organização.
O dinheiro vem de uma emenda da deputada Celina Leão (PP-DF), aliada de Bolsonaro que também emprega uma ex-esposa do presidente em seu gabinete, e destinou mais R$ 1,2 milhão para outras duas entidades que só existem no papel.
A lista de ONGs de fachada apurada pela Crusoé ainda conta com outras instituições voltadas a diferentes causas e apadrinhadas por diversos políticos.
Veja também: TCU diz que militares usaram R$ 4 milhões do combate à covid-19 indevidamente
Histórico de uso de ONGs para desvio de dinheiro no Brasil
Utilizar ONGs de fachada para desviar dinheiro público não é novidade na política brasileira. Muitas entidades sem fins lucrativos vivem de repasse de recursos governamentais, e políticos aproveitam brechas na fiscalização para enviar recursos para instituições que só existem no papel e beneficiar aliados ou a si mesmos.
Em 2011, por exemplo, o ex-ministro do Esporte, Orlando Silva (PC do B-SP), foi investigado por suposto esquema de corrupção por meio do programa Segundo Tempo. Segundo a denúncia, o Ministério do Esporte escolhia ONGs “amigas” para desviar dinheiro público com a iniciativa. O processo foi arquivado em 2012.
Outra denúncia que surgiu neste período era relacionada ao Ministério do Turismo. Na época, o Ministério Público Federal encontrou irregularidades no contrato da pasta com a ONG Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), e denunciou os envolvidos pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica e falsificação de documentos.
Segundo a denúncia, dos mais de R$ 4,4 milhões que a ONG recebeu dos cofres públicos, R$ 3 milhões foram para empresas de fachada.