6 perguntas para entender a guerra entre Rússia e Ucrânia

Alexandre G. Peres

24/02/2022

Depois de quatro meses de crise e tensão, a Rússia invadiu o leste da Ucrânia entre o final da noite de quarta-feira e início da madrugada desta quinta-feira (24). Nesta matéria especial do No Detalhe, você vai entender

melhor as razões deste conflito, desde por que a Rússia tem tanto interesse pela região até quais as chances de o embate escalar para uma “Terceira Guerra Mundial” e qual é o posicionamento do governo brasileiro a respeito disso.

1 – Por que a Rússia tem interesse na Ucrânia?

A Ucrânia fez parte no passado da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), então o país têm laços sociais e culturais bastante profundos com a Rússia. O atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, considera a dissolução da URSS, que aconteceu em 26 de dezembro de 1991, como “a maior catástrofe política” do século XX e tem invocado vários fantasmas soviéticos desde então, como a restauração do hino soviético como o oficial da Rússia, tudo isso com o intuito de trazer ao país parte da glória e da relevância diplomática, cultural, econômica e militar que teve ao longo do século XX.

E essa não é a primeira vez que a Rússia ataca a Ucrânia. Em 2014, a Rússia anexou a região da Crimeia, que fazia parte do território ucraniano, após a destituição do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, o que Putin considerou um golpe de estado. Depois disso, regiões do sudeste da Ucrânia, contrários às decisões tomadas na capital, Kiev, estreitaram os vínculos com a Rússia e pediram, através de um referendo, a anexação ao território russo. Putin não pestanejou e assinou o tratado de anexação no dia 18 de março de 2014.

2 – O que motivou a invasão de hoje?

Militares e tanques ucranianos próximos à capital do país, Kiev (Imagem: Daniel Leal/ AFP)

Militares e tanques ucranianos próximos à capital do país, Kiev (Imagem: Daniel Leal/ AFP)

Nos últimos anos, a Ucrânia tem se aproximado bastante da União Europeia e, principalmente, da Organização do Trato do Atlântico Norte, a OTAN, uma aliança militar criada no fim da Segunda Guerra Mundial visando defender os estados membros, impedir a volta do militarismo nacionalista na Europa e encorajar a integração europeia.

Os Estados Unidos exercem uma espécie de liderança simbólica dentro da OTAN, em grande parte pela relevância militar e econômica, mas também pelo fato de a organização ter se consolidado no período da Guerra Fria, disputa entre EUA e URSS, que nunca escalou para um conflito direto, que durou de 12 de março de 1947 a 3 de dezembro de 1989 — e terminou, dentre outras coisas, pela crise enfrentada pela URSS, em grande parte pelas decisões do presidente da época, Mikhail Gorbatchov, a quem Putin considera um culpado pela quebra do país.

Vladimir Putin não vê com bons olhos a aproximação da Ucrânia às potências ocidentais. Primeiro porque, segundo ele, isso abriria espaço para que os Estados Unidos montassem bases militares e silos nucleares na fronteira com a Rússia — o que automaticamente invoca cenas da Guerra Fria, como a da Crise dos Mísseis de Cuba de 1962. E segundo porque blindaria completamente a Ucrânia de possíveis interesses russos, já que, uma vez fazendo parte da OTAN, todos os trinta países que compõem o grupo seriam levados para a guerra a fim de defender a Ucrânia caso ela se tornasse um estado-membro e fosse atacada por forças estrangeiras.

Além disso, assim como aconteceu em 2014 com a Crimeia, duas províncias do leste da Ucrânia, Luhansk e Donetsk, estão tendo movimentos separatistas, com conflitos armados entre rebeldes pró-Moscou e tropas ucranianas. Na segunda-feira (21), Putin reconheceu a independência dessas províncias e determinou o envio de uma “missão de paz” aos territórios, através de uma operação especial, que culminou na invasão na madrugada de hoje. Porém, a invasão não parece estar limitada apenas a estas duas províncias.

3 – O quão grave está a situação na Ucrânia?

Base de defesa área em Mariupol, Ucrânia, após um suposto bombardeio russo (Imagem: Evgeniy Malotetka/AP)

Base de defesa área em Mariupol, Ucrânia, após um suposto bombardeio russo (Imagem: Evgeniy Malotetka/AP)

Bastante grave. Trata-se do maior ataque a um país europeu contra outro também europeu desde o término da Segunda Guerra. Nas palavras do primeiro-ministro da Bélgica: “esse é o momento mais sombrio desde a Segunda Guerra Mundial“.

Embora Putin tenha justificado a invasão afirmando que quer proteger separatistas no leste da Ucrânia, que pedem separação do país e anexação à Rússia (da mesma forma que aconteceu com a Crimeia em 2014), há relatos de exercícios militares, quebras de cessar-fogo, movimentações de tropas, de blindados e de aviões e explosões ao longo de toda a Ucrânia, e não apenas nas regiões separatistas. Os focos de ataque parecem ser à infraestrutura militar ucraniana e a bases de guardas de fronteira. O general russo Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa, diz que a Rússia já destruiu mais de 70 alvos militares na Ucrânia e o New York Times afirma que mais de 40 soldados ucranianos já perderam suas vidas no confronto.

A Ucrânia já decretou Lei Marcial na noite de ontem, e o ministro ucraniano de relações exteriores, Dmytro Kuleba, escreveu nas redes sociais que “cidades pacíficas da Ucrânia estão sob ataque. Esta é uma guerra de agressão. A Ucrânia vai se defender e vencer“, o que também sugere que a invasão russa não está acontecendo apenas às províncias separatistas, tratando-se na verdade de uma invasão em larga escala.

Na capital, Kiev, sirenes tocaram, indicando a iminência de um possível bombardeio, e explosões foram ouvidas na cidade. O prefeito da cidade, Vitaly Klitschko, pediu que os moradores fiquem em casa e afirmou que quatro estações de metrô, pelas quais já não passam trens, poderão ser usadas como abrigo antiaéreo.

4 – Quais as chances de uma Terceira Guerra Mundial?

Trabalhadores no local de queda de uma aeronave Antonov das Forças Armadas Ucranianas que, de acordo com o governo, foi derrubada na região de Kiev, capital da Ucrânia (Imagem: Reprodução/Ukrainian State Emergency Service)

Trabalhadores no local de queda de uma aeronave Antonov das Forças Armadas Ucranianas que, de acordo com o governo, foi derrubada na região de Kiev, capital da Ucrânia (Imagem: Reprodução/Ukrainian State Emergency Service)

No momento, baixas. O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, embora já estivesse alertando o mundo da iminência de uma invasão russa à região desde janeiro, deixou claro que a Otan não vai interferir militarmente no conflito.

O que a Otan tem feito é impor sanções econômicas visando desestabilizar a economia russa e inviabilizar uma campanha militar longeva. Porém, Biden também já levantou o tom em alguns momentos, afirmando que a Rússia será responsabilizada pelo ataque e que sanções mais duras, vindo tanto da Otan quanto da União Europeia, seriam aplicadas ao país em caso de conflito armado.

Mas as promessas da Otan têm sido levianas em comparação ao tom adotado por Vladimir Putin e pelo Kremlin. Depois da autorização da invasão na madrugada de hoje, que tem aval do parlamento russo e de grande parte da população, Putin fez a seguinte ameaça: “Agora, algumas palavras importantes, muito importantes para aqueles que podem ser tentados a intervir de fora em eventos em andamento. Quem quer que tente interferir conosco, e ainda mais para criar ameaças ao nosso país, ao nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e o levará a consequências como você nunca experimentou em sua história. Estamos prontos para qualquer desenvolvimento de eventos. Todas as decisões necessárias a esse respeito foram tomadas. Espero ser ouvido“.

Convém lembrar aqui que a Rússia é uma das principais potências quando o assunto são bombas nucleares, e já reconheceu em discursos passados a possibilidade de uma guerra nuclear em caso de interferência na Ucrânia. De acordo com um levantamento feito pelo Instituto Internacional da Paz de Estocolmo (SIPRI) em 2019, a Rússia tem cerca de 6 mil ogivas nucleares — contra 3.750 mantidas pelos EUA, dentre ativas e inativas.

Embora as chances de uma Terceira Guerra Mundial motivada pela invasão da Ucrânia sejam baixas, a escalada da tensão entre Rússia e Otan e União Europeia pode, sim, levar a conflitos mais sérios no futuro. Além disso, contextos de guerra são propícios a acidentes, e qualquer troca de tiro indevida pode agravar ainda mais as coisas. Afinal, como Joe Biden afirmou ao justificar a não-interferência militar no conflito da Ucrânia: “é uma guerra mundial quando americanos e russos começam a atirar uns nos outros“. E, desde o começo da década de 90, isso nunca esteve tão perto de acontecer.

5 – Que postura o governo brasileiro vai adotar?

O Governo de Jair Bolsonaro ainda não emitiu uma nota oficial em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora tenha conversado com apoiadores no cercadinho no Palácio da Alvora, ele não tocou em momento nenhum nesse assunto. Porém, segundo rumores, ele já concedeu ao Itamaraty permissão e instrução para a divulgação de uma nota, que deve ser enviada à imprensa ainda nesta quinta-feira.

Por sua vez, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, quebrou o silêncio e afirmou nesta quinta-feira que o Brasil não concorda com a invasão da Ucrânia. À imprensa, Mourão afirmou que “o Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que ele respeita a soberania da Ucrânia. Então, o Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano. Isso é uma realidade“.

Lembrando que na semana passada o presidente Jair Bolsonaro viajou até a Rússia, em meio à tensão, para supostamente discutir temas como energia, comércio e agronegócio, em especial a compra de fertilizantes. Depois da visita de Bolsonaro, a tensão entre Rússia e Ucrânia esfriou momentaneamente, o que fez apoiadores afirmarem erroneamente que o presidente conseguiu convencer Vladimir Putin a optar pela paz.

Esta visita apenas queimou diplomaticamente a imagem do Brasil, desencadeando até mesmo críticas por parte da Casa Branca, que afirmou que “o momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, quando as forças russas se preparam para lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ter sido pior“. O termo “solidário” foi usado pelo porta-voz da Casa Branca pelo fato de Bolsonaro, durante a visita, que incluiu uma saudação a um monumento em homenagem aos soldados soviéticos que perderam a vida na Segunda Guerra Mundial, ter afirmado que “somos solidários à Russia“.

6 – Como a guerra entre Rússia e Ucrânia impacta a economia brasileira?

Mesmo o Brasil estando distante do conflito, a guerra entre Rússia e Ucrânia vai impactar a economia brasileira — e não positivamente. Caso o conflito perdure e escale para algo maior, é bom os brasileiros já irem se preparando para pagar um pouco mais caro por coisas como petróleo, fertilizantes e alimentos no geral.

Por exemplo, bolsas ao redor de todo o mundo despencaram nesta quinta-feira e o preço do petróleo subiu acima de US$ 105 pela primeira vez desde 2014. Lembrando que a Rússia é o terceiro maior produtor e o segundo maior exportador de petróleo do mundo — e é a principal exportadora de gás natural, usado para abastecer a energia da União Europeia. Caso essa exportação fosse interrompida, tanto a economia russa quanto a europeia sofreriam drasticamente, o que também poderia desencadear uma crise econômica generalizada.

Um recente relatório da UBS sugere que, caso o preço do barril do petróleo fique acima de US$ 125 por dois trimestres seguidos, esta alta seria suficiente para uma retração de 0,5% no PIB global em 2022.

O preço dos alimentos também tende a subir. A Ucrânia e a Rússia exportam juntas cerca de 30% do trigo comprado pelo restante do mundo, por exemplo. A depender da gravidade e da duração do conflito, o preço do pão pode acabar ficando mais caro.

Alexandre G. Peres
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Alexandre G. Peres

Editor, redator e revisor da WebGo Content, graduado em Letras – Português/Inglês. Tem experiência com redação, revisão e editoração de textos para Web.

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