Governo cortou 62% da verba da educação infantil de 2018 a 2020 para usar em voucher
Em três anos de mandato, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) reduziu ano a ano a verba destinada ao programa Proinfância, voltado ao desenvolvimento de instituições públicas de educação infantil, como creches e escolas.
Segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o governo investiu cerca de R$ 155 milhões no programa em 2020, menos da metade os R$ 325,6 milhões gastos no ano anterior. Em 2021, o valor gasto até aqui (R$ 44 milhões) indica mais uma tendência de queda, conforme mostra levantamento do jornal O Globo.
O investimento cada vez menor em educação infantil acontece em um momento em que o presidente Bolsonaro tenta promover um sistema de vouchers em creches e escolas particulares. Para especialistas, a medida tira a prioridade do governo da rede pública e passa para a rede privada.
Cortes na verba da Educação Infantil
Comparando o ano passado com 2018, antes de Bolsonaro assumir a presidência, o governo reduziu em 62% os recursos repassado pelo FNDE por meio do Proinfância.
A redução na verba destinada ao programa de desenvolvimento da Educação Infantil já era perceptível mesmo antes da pandemia de Covid-19. Em 2019, o corte foi de aproximadamente 21% em relação ao ano anterior.
O Proinfância foi criado para estimular a construção de creches e pré-escolas em todo o Brasil com assistência técnica e financeira do governo federal. Com os cortes no programa, o que se vê são obras paralisadas: 305 até agosto, mais do que as 210 em todo o ano passado.
O FNDE argumenta as obras são de responsabilidade dos governos locais, e que a pandemia é um dos principais motivos para as paralisação. Mas conforme destaca a diretora de Relações Institucionais da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Heloisa Oliveira, a pandemia não justifica os cortes no orçamento, pois ela começou somente em 2020.
Para o diretor da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, os cortes indicam as prioridades do governo em relação à Educação Infantil.
O governo já estava reduzindo recursos desde 2019, antes da pandemia. Essa queda está vinculada a uma aposta de paralisar expansão publica para garantir privatização da etapa. Isso fica evidente. Não tem a ver com a pandemia, é um projeto de governo”, afirmou o doutor em Educação pela USP.
Segundo especialistas, as políticas voltadas a educação infantil vem sofrendo forte impacto desde a criação do chamado “teto de gastos públicos”, em 2016.
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Com investimento menor, vagas também diminuem
Segundo um levantamento da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, mais de 5 milhões de crianças precisavam de uma vaga em creche no país em agosto do ano passado. O número representa quase metade das crianças de 0 a 3 anos, 46,7%.
Enquanto isso, dados do Censo Escolar 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelam que o país tem 3.651.989 vagas em creche, levando em conta números das redes pública e privada.
Com isso, o número de vagas em creche é menor do que o registrando 2019, quando ele estava em 3.755.092. Conforme destaca Heloisa Oliveira, os números do Proinfância mostram que o país está investindo menos na ampliação e abertura de novas creches, o que deixa mais crianças sem acesso a educação infantil.
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Voucher ainda não saiu
Apesar dos cortes progressivos no Proinfância, a proposta de voucher do governo ainda não saiu do papel. Ela está inserida na Medida Provisória do “Auxílio Brasil”, programa criado para substituir o Bolsa Família, que chegou ao Congresso na semana passada.
Com o nome de Auxílio Criança Cidadã, a proposta têm recebido críticas de especialistas em educação e é apontada como um “jabuti” do Auxílio Brasil, ou seja, um trecho que não tem relação com o tema principal.
A ideia da medida é oferecer uma espécie de cupom para que as famílias inscrevam seus filhos em creches particulares. Outra iniciativa proposta é a “charter school”, estabelecimentos privados que recebem dinheiro público para atender crianças de baixa renda.
Conforme destaca Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a proposta indica que o governo prefere destinar recursos para a educação privada do que investir na educação pública.
É muito estranho ter uma redução tão grande desse ritmo de investimento para geração de vagas e depois ter a criação de um programa de transferência de recurso. Investir em educação infantil é o investimento de maior retorno a longo prazo”, critica Garcia.
Além disso, um estudo feito pelo instituto Kairós Desenvolvimento Social a partir de dados do Censo Escolar 2020 revela que a proposta dos vouchers será inútil em 54,45% dos municípios brasileiros, que não possuem escolas particulares com creche ou já têm instituições que oferecem o serviço gratuitamente.
Fontes: O Globo e Metrópoles.