83% dos moradores de favelas no Rio escutaram tiros de dentro de casa em 2021


Um estudo sobre os impactos da pandemia na vida de moradores de favelas do Rio de Janeiro mostra que oito em cada dez pessoas que vivem em algumas das maiores comunidades cariocas ouviram tiros de dentro de suas casas no período.

Além disso, quase 70% dos entrevistados também afirmaram que presenciaram ou souberam de operações policiais na favela onde vivem, apesar de elas estarem restritas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a pandemia.

A pesquisa “Coronavírus nas favelas: a desigualdade e o racismo sem máscaras” foi realizada pelo coletivo Movimentos e entrevistou moradores da Cidade de Deus e dos complexos da Maré e do Alemão. Além de dados sobre a violência, o levantamento também traz dados sobre a Covid-19 nas favelas, perfil socioeconômico, acesso à saúde, uso de drogas e saúde mental dos moradores durante a pandemia.

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Complexo do Alemão foi uma das favelas estudadas no levantamento. Foto: Marcelo Horn/Ascom/Governo do RJ

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Violência nas favelas do Rio durante a pandemia

De acordo com a pesquisa do coletivo Movimentos, que teve o apoio do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), 83% dos moradores da três favelas pesquisadas ouviram tiros de dentro de casa durante a pandemia.

Já em relação às operações policiais, 69% afirmam ter presenciado ou tomado conhecimento sobre ações em sua comunidade no mesmo período.

Entretanto, as operações policiais em favelas do Rio de Janeiro estão restritas desde junho de 2020, por decisão liminar (provisória) do ministro Edson Fachin, do STF. Por conta da decisão do ministro, durante a pandemia as ações podem ocorrer apenas em “casos excepcionais”.

Após a medida, estudos apontaram quedas em índices de violência na cidade e no estado do Rio. Uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do portal Fogo Cruzado, por exemplo, revelou que o número de morte por intervenção policial caiu 75,5% um mês depois da proibição.

Um anos após a medida do ministro Fachin, a UFF e o portal Fogo Cruzado fizeram um novo levantamento mostrando que o número de mortes e tiroteios diminuiu em todo o estado.

Segundo a pesquisa, a restrição de operações policiais em favelas durante a pandemia levou a uma redução de 30% no número de mortes por armas de fogo, de 23% nos tiroteios e de 30% nas mortes de agentes de segurança.

Apesar dos indicadores apontarem queda nas mortes em comunidades, policiais questionaram a medida e pediram o fim da restrição.

Violência doméstica aumentou durante a pandemia

A pesquisa do coletivo Movimentos também mostra que o número de casos de violência doméstica nas favelas aumentou durante a pandemia.

Segundo o estudo, 73,8% dos moradores dizem ter a impressão de que os casos aumentaram. Enquanto isso, 4 em cada 10 entrevistados afirmaram ter presenciado um episódio de violência doméstica.

O racismo nas favelas foi outro problema relatado no levantamento. Quase metade dos entrevistados (47%) afirma ter passado por algum caso de racismo ou discriminação na vida. Dentre eles, 93% são negros, e 63% relatam que desenvolveram algum tipo de depressão.

São inúmeras violências no cotidiano. São ações policiais, violências dentro do poder paralelo, com as facções (…) e a população negra acaba sendo a maior vítima. A ideia de que os corpos negros são mais violentados, isso se revelou na pesquisa de modo geral”, explicou Aristenio Gomes, pesquisador e coordenador do estudo.

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Outros dados da pesquisa

O levantamento ainda revelou alguns índices preocupantes sobre os impactos da pandemia entre os moradores das favelas pesquisadas.

O desemprego, por exemplo, que aumentou em todo o Brasil e atingiu níveis recordes no períodoatingiu mais da metade dos moradores. De acordo com o levantamento, 54% das pessoas relataram ter perdido o emprego formal durante a pandemia.

Enquanto isso, outros 54% dos entrevistados disseram não ter conseguido fazer o isolamento social, principalmente por conta da necessidade de trabalhar. Conforme destaca Aristenio, moradores de favelas foram impedidos de parar com suas atividades e se isolar para se proteger.

Como exemplo desta situação, o pesquisador cita o caso dos entregadores de comida, que tiveram um trabalho fundamental para que outras pessoas conseguissem fazer o isolamento.

Diante deste cenário, 93% dos moradores disseram conhecer alguém que teve covid, e sete e cada dez souberam de alguém que morreu da doença. Apesar disso, apenas 24% dos entrevistados chegaram a ser testados para saber se foram infectados pelo novo coronavírus.

O estudo ouviu 955 moradores entre setembro e outubro de 2020 e será lançado nesta segunda-feira (27/09).

Fonte: G1.

Jornalista, ator profissional licenciado pelo SATED/PR e ex-repórter do Jornal O Repórter. Ligado em questões políticas e sociais, busca na arte e na comunicação maneiras de lidar com o incômodo mundo fora da caverna.